sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Ah, mas ela é tão... BOAZINHA


Poucas coisas na vida me irritam tanto quanto ser chamada de boazinha. Odeio essa palavra.

Ser boazinha é diferente de ser uma pessoa boa, generosa.Ou mesmo de ser fofa, gracinha, gente boa... Boazinha é, na verdade, o jeito mais curto e simples de dizer surda-muda-telepática-sem-opinião-própria. Um horror.

Ok. Eu sei que a maioria das pessoas usa essa bendita palavra com a melhor das intenções, só que não adianta... meu desgosto continua exatamente igual. Mas, se acalme, já vou explicar meus motivos.

Primeiro façamos um teste: se algum amigo seu descrevesse para você uma pessoa que você não conhece em apenas uma palavra - adivinha qual! Sim, sim, essa mesma que você está pensando: boazinha.

"Fulana é tão boazinha..."(olha só que ternura).

Diz aí, como foi que você imaginou essa criatura? Feche os olhos, metalize, concentração: boazinha, boazinha, boazinha... Uma moça pequena, bochechas rosadas, vestida comportadamente com tons pastéis dos pés à cabeça. Tem um ar que oscila entre o maternal e o infantil e faz cara de quem quer ser adorável durante todo o tempo.

Em outras palavras: sem graça que nem picolé de chuchu.

Talvez seja por causa desse esteriótipo insosso de menina-porcelana que as opiniões da boazinha nunca sejam levadas em conta. Nem suas crises, seus nervosismos, ou sua TPM. E quando fica irritada, então? Como a boazinha clássica tem aquele temperamento calmo, sereno, de quem não discute por qualquer coisa, as pesssoas acham que ela não tem capacidade de irritar. Aí, quando em um belo dia a paciência da boazinha acaba e ela decide virar a mesa, acaba escutando as críticas mais severas. "Ai, mas achei que a fulana era mais calma...", "poxa, achei que eu conhecia a Fulana, mas você viu como é nervosinha?"

Que ódio.

Pior ainda: tem muita gente que pensa que ser boazinha é sinônimo de ser boba. Sabe assim, daquele tipo que nunca diz não? Que tá sempre querendo agradar todo mundo? Que tem a devoção de uma freira e a disciplina de um poodle bem adestrado? Pois é. Tem muita gente que abusa. Afinal, a boazinha é tão prestativa, né? Tá sempre tão disposta a ajudar, é tão fofa... "Pede pra ela , que ela que eu tenho certeza de que ela nem vai se importar de fazer!"

Na verdade, acho que as pessoas não param mesmo pra pensar se a boazinha gosta de ajudar ou não. Mas elas têm certeza de que ela é adorável demais para reclamar.

E olha, esse texto realmente não pretende disseminar a discórdia entre as boazinhas e as criaturas que abusam delas. Muito menos acabar com a gentileza e com a boa vontade de quem acha importante ser legal.

Acho que é mais um desabafo de quem tem profuuundo conhecimento de causa.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Pequenos e encantadores



Adoro crianças.

Quer dizer, adoro não, amo: vou ser mãe coruja, tia babona, madrinha daquelas bem puxa-saco. Não posso ver um pequeno que já me derreto inteira, quero saber nome, idade, que bichinho é esse que ele tá segurando, se foi a mamãe que fez essa chuquinha, de quem é essa chupeta e por aí vai. Adoro pegar no colo, fazer carinho, cócegas, virar a criança de ponta cabeça – ou mesmo me virar de ponta cabeça, só pra fazê-la rir .

Outro dia, eu estava almoçando na faculdade, quando a filha pequenininha de uma professora minha entrou e comprou um picolé. Ela tirou-o do freezer na ponta dos pés, usou os dedinhos desajeitados para abrir o pacote, contemplou aquele doce colorido com um olhar maravilhado e, no auge da satisfação, saiu cantando com o sorvete na mão. Achei o máximo. Ela não podia ter sido mais espontânea ou demonstrado melhor o quão grande era a sua felicidade.

Talvez o que me deixe assim apaixonada seja exatamente isso: o fato de elas serem tão espontâneas, de fazerem exatamente o que todo mundo tem vontade, mas não faz, seja por falta de coragem, por convenção social, ou, simplesmente, por já nem perceber o quão maravilhosas as pequenas coisas são - gente grande acaba ficando muito acostumada... Pode ser por isso que eu ache demais ver o jeito que tudo encanta e entretém as crianças. Como é que um barulho, um botão ou uma careta podem, de repente, cessar uma crise de choro e provocar um ataque de risadas gostoso, daqueles que só um bebê consegue dar?

E a capacidade de olhar para uma coisa totalmente banal como se fosse preciosa? Elas fazem com que a gente, de repente, perceba como aquilo é realmente bonito e encantador. E assim, a gente acaba redescobrindo o mundo à medida que elas o descobrem e tudo parece ser surpresa.

Primeiro, aqueles olhos grandes param em algo que nós não havíamos nem notado... contemplam a coisa absolutamente maravilhados. Depois, eles se aproximam do objeto com a ponta dos dedinhos, tocam-no e, com um movimento rápido, geralmente agarram-no e o levam direto para a boca. Acho uma graça.

(Exceto, é claro, quando o objeto em questão é algum brinco ou corrente que eu estou usando)

Mas, o que me faz rir mesmo é quem diz que não tem a menor paciência com criança, algo que, pra mim, é totalmente anti-natural. O fator fofura, naruralmente embutido em todos eles, já é biologicamente projetado para quebrar qualquer possível barreira de antipatia... Como resisitir àqueles olhinhos grandes, àquelas bochechas gostosas, àquela pele lisinha e fresca, àquelas coisinhas tão graciosamente cabeçudas? Pra mim é como se houvesse um mecanismo automático de disparo de sorriso, acionado cada vez que os olhos encontram uma dessas pequenas criaturas. Ou, pelo menos, é assim que eu funciono.

Curioso é que as crianças geralmente se encantam por quem não dá a mínima pra elas. Parecem não ligar para o jeito meio seco e impaciente com que, às vezes, são tratadas e acabam, por fim, quebrando o gelo e fazendo com que a pessoa se renda aos seus encantos. É muito raro que essa redenção não aconteça. E, quando não acontece, é geralmente porque o sujeito já nasceu de mal com a vida, mesmo.

Pode até ser que eu seja um pouco besta. Ou pode ser que eu ainda não tenha crescido tudo o que devia crescer... Mas tenho certeza que vou continuar sempre assim: bem boba apaixonada por criança...

Pelo menos, até quando durar a minha vontade de cantar cada vez que eu comprar sorvete.

terça-feira, 16 de junho de 2009

A despeito de meus talentos inúteis

(e os talentos inúteis de todos os outros também)





Mas que orgulho, hein?


É uma delícia se gabar (mas só às vezes...) de coisas legais que você consegue fazer e as outras pessoas, não. Uns chamam de habilidade, outros de talento, outros de dom – esse último, particularmente me incomoda bastante. Dom é uma coisa meio... divina. Quase sobrenatural. Se alguém diz: “Ah, Fulano tem o DOM”, já me vem à cabeça alguma coisa entre o milagre dos pães e a cerimônia miraculosa de uma tribo tupinambá. Sim, é como se o tal Fulano fosse uma mistura de pajé com o Espírito Santo.
Por isso, prefiro chamar a tal “coisa” de talento. É simples, dá a idéia de que é algo único e ainda tem um som bacaninha. Pena que decidir o que é ou não talento, não é tão fácil quanto escolher um nome para chamá-lo. Um talento não vale só por ser algo difícil de executar, ou que exige alguma habilidade ou capacidade muito específica. É preciso que o talento, pra ser considerado como tal, seja útil.
Prova disso é que todo mundo consegue fazer alguma coisa muito particular, muito difícil, muito única... mas a maioria das pessoas não é considerada talentosa. Vai dizer que você não faz um barulho que ninguém consegue, que não é perito em equilibrar palitos de fósforo ou que você não caçava mais tatus-bola do que qualquer um dos seus coleguinhas? Todo mundo faz alguma coisa legal! A pergunta é... porque isso não pode ser um talento?
Infelizmente, a inutilidade dessas habilidades únicas de que é capaz o ser humano (deixando de lado uma certa carga de bizarrice, lógico) é medida por seu possível retorno financeiro. Não, não vou discorrer sobre o mundo capitalista corrompido em que vivemos (ou não, também)... Mas acontece que eu já parei pra pensar várias vezes que eu não conseguiria um centavo por meus próprios talentos inúteis.
Quem pagaria por uma arrumação de geladeira? Sim, pode ser aparentemente ridículo, mas eu sou perita em encaixar potinhos e mais potinhos em espaços milimetricamente calculados, onde o pessoal de casa acha que não caberia nem mais 1/4 de tomate. Você pagaria por esse serviço? Hein? Hein?
Outra coisa que eu arraso: pintura de crafts! Horas e horas de almoço são dedicadas à pintura de simpáticos crafts à serviço da Atlética da ECA (o que não faz desse talento algo assim tãão inútil), mas também não daria pra eu viver disso.("Oooolha o craft deiz réal, deiz réal...", imaginem só!)
Calma, calma que o melhor ainda está por vir, o meu talento mais recentemente descoberto: servir cerveja sem um pingo de colarinho. Isso aí, sem nem vestígio da golinha branca, faço cerveja parecer guaraná. E mesmo com esse DOM (qualquer bom bebedor acharia esse talento divino, pessoal!), minha coordenação motora jamais me permitiria ser garçonete, por exemplo. Aliás, de um modo geral, acho que esse talvez seja meu talento mais inútil, já que eu não bebo e menos ainda gosto de cerveja.

Agora, imagine só colocar tudo isso no meu currículo! O.o

Ok ok... já me convenci de que não ficarei rica com os meus talentos, acho melhor mesmo terminar a faculdade. Mas caso algum deles interesse a você, por favor deixe aqui o seu recado, que o preço a gente pode negociar.


P.S: Também sou excelente jogadora de Imagem e Ação e descasco ovos cozidos como ninguém – caso alguém queira saber.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

De retas que vão a lugar nenhum


Planos, planos e mais planos. Adoro acreditar que sou senhora do meu próprio destino e que posso determinar o que se passará na minha vida, quando e como. Não sei se todo mundo faz isso, mas sempre que preciso tomar uma decisão importante, que me sinto perdida, sento-me e desenho a minha própria linha da vida. Nela vou pontuando tudo aquilo que eu pretendo realizar – ou tudo aquilo que eu conto que o destino realizará por mim – em todos os planos de minha existência: viagens, carreira, trabalho, amores, família.
Deixo tudo ali, bem explicadinho, tintim por tintim: cada evento tem uma cor e um tamanho, de acordo com sua área e a importância, e vão sendo cronologicamente dispostos, um seguido do outro, como meu pequeno exército de soldadinhos de chumbo. Se quero primeiro viajar o mundo, depois comprar meu próprio apê, se acho que está na hora de fugir pro meio do mato e abrir meu próprio ateliê, não importa: está tudo lá. Mecanicamente, classifico e distribuo meus sonhos, coloco cada um em sua prateleira, com sua etiqueta, bem arrumado - como qualquer estoquista faz com suas mercadorias. Uma linha de produção exclusiva.
Fanática por organização que sou – um dos males de ser virginiana, acho - ao contemplar minha obra, aquela reta tão bem desenhada, cheia de bolinhas coloridas, cada uma com sua razão de ser, sinto-me orgulhosa. Sou tomada por uma onda súbita de confiança, de fé no mundo, de esperança no futuro. Tudo vai dar certo, eu sei que vai. Ao brincar de Deus, realmente acredito que tudo o que eu planejei sem sombra de dúvidas se realizará, que só depende de mim. Está lá, tudo resolvido. Sem mais questionamentos, sem mais temores, sem mais medos - minhas incertezas finalmente chegaram ao fim. Siga o manual e monte a bicicleta. Siga a reta e resolva a vida. Alguma pergunta?
Atordoada pela minha onda gigante de confiança, mergulho de corpo todo na minha própria vaidade e trago à superfície minhas conclusões absolutas: as pessoas é que complicam demais... pensam demais. Afinal, a vida pode ser tão simples! É questão apenas de planejamento, de organização, de estabelecer metas e tranquilamente cumpri-las.
Em outras palavras: desenhe uma reta e siga os pontos, ora bolas.
Simples. Fácil. Fim.
E então do fundo, lá do fundo de mim, surge aquela vozinha, conhecida nossa, mas ignorada na maioria das vezes. Ela tenta dizer que eu não me engane: “você sabe que as coisas não funcionam assim”. Faço que não escutei. No entanto, bem discretamente, fingindo não dar o braço a torcer, decido olhar para a minha reta com mais cuidado.
Ela está lá, exatamente como eu a fiz: cada ponto em seu Exato lugar. Acho que esse é o problema: Exato. De repente já não me sinto tão bem... Exato. Olho mais uma vez para a reta. Exata. Meus pés tocam o chão e meu esquema agora parece não fazer o menor sentido. Minha reta é Exata demais.
Minha vista fica embaçada de súbito. Vejo cor, vejo traço, vejo escritos, mas não vejo mais sentindo. A confiança dá lugar a uma angustiante frustração: minha lógica me abandonou, fiquei órfã de meus planos. Parece que não há mais possibilidades de nada: minha reta era uma farsa! E só um emaranhado de complicações que parecem emergir do meu repentino desconsolo.
E diante dessa estranha confusão mental é que me dou conta: ignorei por completo, envolvida que estava em meus devaneios e vaidades, que a minha reta não existe só. Que minha reta cruza com outras, acompanha outras, se espelha, se molda, se funde a todas as suas companheiras. Retas de parentes, de amigos, de amores, de desamores, de desafetos, às vezes até de desconhecidos, que se entrelaçam à nossa retas, mais ou menos, mas o necessário para de repente nos vermos envolvidos.
Percebo ainda que nessa reta minha não existem os ângulos que eu previ: retos, determinados, simétricos, exatos. Minha reta quando está com outras precisa ser maleável. É no ritmo das outras retas, do conjunto, que a minha se desenvolve, se move, cresce, sobe, desce, dança.
Agora não é mais reta, é curva.
Segue o fluxo, desliza, escoa, espalha, se dilui em outras, ganha velocidade, ganha leveza, ganha espírito. Minha curva extrapola os limites do papel. Cada vez mais rápida, ela se contorce, se inclina, se expande... Vai cada vez mais alto até que mergulha. Já não tenho mais reta ou curva. Minha vidinha toda explicada agora é montanha-russa.